Carol de Freitas
O sorriso largo, acompanhado de uma fala articulada e cheia de detalhes, revela quem vem à frente: Exu, rei dos caminhos e das encruzilhadas. Albino Apolinário, aos 60 anos, esbanja carisma e sabedoria. Na sua memória, guarda histórias que poderiam facilmente virar enredos de samba-reggae. Nascido e criado no Maciel, Pelourinho, ele é parte viva do Centro Histórico de Salvador, onde cultura e tradição se entrelaçam nas ladeiras que o acolhem desde a infância.
Foi com Dona Alzira do Conforto, na década de 40, que essa história começou. Uma mulher empreendedora e devota de Xangô que chegou ao Pelourinho gerando emprego e renda para a comunidade através do comércio. Hoje, na quarta geração, sua família mantém viva a tradição de força e resistência no bairro mais emblemático de Salvador.
Albino tinha apenas 14 anos quando levou para o comércio de sua mãe, a Quitanda Santa Bárbara, um disco de vinil de Bob Marley. “Naquele momento, o Movimento Negro estava nascendo. Ilê Aiyê, Olodum, Gilberto Gil cantando Filhos de Gandhy... E então, aquele pequeno comércio começou a ficar lotado. Minha mãe foi vencida pelo lucro, não pelo gosto pela música. Mas virou uma febre”, relembra o agitador cultural.
Foi então que a quitanda se transformou no famoso Bar do Reggae, um ponto de referência para a juventude negra do Pelourinho, contribuindo decisivamente para a consolidação do gênero musical em Salvador.
“Mas que responsabilidade para um jovem de 14 anos trazer a música jamaicana para o Pelourinho. Isso virou um estilo percussivo do Olodum, que absorveu as cores do pan-africanismo e as aplicou na indumentária do bloco. E aí se transformou nisso tudo que está acontecendo”, diverte-se Albino.
Com o olhar atento ao que estava sendo produzido ali, o Pelourinho passou por uma revitalização. Posteriormente, em reconhecimento ao movimento que ganhava força, surgiu também a Praça do Reggae. Peça-chave nesse processo, Albino consolidou ainda mais o lugar do gênero musical na cultura soteropolitana, reafirmando a potência de sua história e suas raízes.
Como o berço de diversas culturas, foi nas vielas de pedras do Pelourinho que Albino também se conectou com Exu. Assim, ele encabeçou o movimento “Exu Não é Diabo”, uma manifestação de resistência contra a intolerância religiosa, que busca desmistificar o Orixá por meio da alegria e da festa.
“Durante o Carnaval, a gente percorre as ruas saudando Exu em cada encruzilhada. É uma história fictícia que eu criei, a de Raimundo Bouzanfraim. Como acontece na festa da carne, e Exu é o único que transita entre o aqui e o lá, que circula e vive entre nós, aproveitamos para celebrar essa entidade injustamente demonizada”. O festejo, que atrai uma multidão, acontece na quarta-feira de cinzas.
Outro marco em sua trajetória é a Caminhada Azoany, uma tradição que começou com uma senhora chamada Vita. Inspirado pela força de sua fé, Albino enxergou na caminhada uma oportunidade de reivindicar um espaço de expressão religiosa para o povo do candomblé, que até então se escondia por medo da intolerância. "Eu me perguntava: por que os católicos fazem suas procissões, os evangélicos suas caminhadas, enquanto o povo de santo esconde suas contas?"
Foi nesse contexto que, junto com Martins, Albino iniciou um movimento para dar continuidade a essa tradição. A Caminhada Azoany sai do Pelourinho em direção à Igreja de São Lázaro, na Federação, percorrendo seis quilômetros. Orgulhoso da crescente participação do público, Albino enxerga nela uma oportunidade de aumentar a visibilidade das manifestações das religiões de matriz africana.
Guardião das encruzilhadas e catalisador do movimento do reggae em Salvador, Albino Apolinário se destaca como uma figura que une pessoas e culturas. Uma liderança que fortalece a identidade de um território rico em história e potencial, mas muitas vezes esquecido pelo poder público. Seu trabalho, que faz da rua o palco principal, promove o encontro entre gerações e valoriza as raízes de um povo criativo, resistente e nobre.
Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar no 195, de 8 de julho de 2022.
Fotos: Arivaldo Publio (@arivaldopublio)
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