Carol de Freitas
Custam algumas horas um passeio completo pela maior feira livre da cidade do Salvador. Isso se for possível mapear seus becos e vielas, sem se perder no amontoado de informações, dos 10 mil metros quadrados contornados pela Baía de Todos os Santos e a Avenida Oscar Pontes. A Feira de São Joaquim, inaugurada em meados dos anos 60 - após um grande incêndio que tomou a Feira de Água de Meninos, tem mais de 1300 boxes e recebe diariamente, em média, cerca de 50 mil pessoas de todo o Estado da Bahia. O local é conhecido pela variedade de produtos, especiarias diversas, alimentos frescos, restaurantes tradicionais, grandes lojas de artigos religiosos e ponto de encontro da cultura baiana com festas populares e rodas de samba.
Basta aprumar o olhar pra captar das cenas mais bonitas e corriqueiras. Um feirante passando o troco, mãos salpicando gotas de água em hortaliças frescas, gritos que anunciam um preço mais baixo, carregadores e seus carrinhos-de-mão desviando, de um por um, num corredor infinito. Tempero de todas as espécies arrumados em sacas, gavetas e potes. Brinquedos, cabos, pentes e panelas pendurados nas ripas do telhado. Pescadores, feirantes, fregueses, fornecedores, floristas, moradores e visitantes que transitam, diariamente, antes mesmo do raiar do sol até o cair da noite.
“O feirante começa a trabalhar bem cedo. Abre as portas e começa a botar a mercadoria pra fora, começa a arrumar. Os clientes vão chegando e a gente vai vendendo. É uma rotina que você se acostuma, no dia que você não faz isso, você se sente mal. Se eu não acordar pra vir abrir as portas, o dia não é o mesmo”, conta Nau do Artesanato, 62 anos de vida e 44 de feira. Seu box, herdado de seus pais, vende artesanatos de todo o Brasil, em especial de boa parte da Bahia.
Por se tratar de um ponto comercial de muita tradição, é comum encontrar feirantes com a mesma dinâmica de trabalho, muitas vezes herdada de seus pais e avós. Um legado, acima de tudo, fiel àquele pedaço de chão. “Cheguei na feira com 18 anos, com meus pais, e hoje tenho uma filha e um neto que trabalham comigo. Já estamos na quarta geração, não é mesmo?”, pontua.
Chama atenção a quantidade de boxes liderado por garotos e garotas ainda bem jovens que, mesmo com outras oportunidades, não abrem mão do lugar. Eric, de 28 anos, trabalha com seu irmão na rua principal da feira vendendo frutas. De domingo a domingo, 4h30 da manhã, começa sua jornada de recepção de produtos e organização da banca para o atendimento ao público. Acerola, caju, uva, morango, tangerina, banana, maçã, melão, entre outras, são expostas em caixas e vasilhas.
“Eu amo trabalhar na feira, isso aqui não tem preço. Fora que a gente faz uma resenha, né? Quem vem na feira sabe. O dia todo trabalhando junto, a gente vira uma família. Vez ou outra tem uma desavença, mas faz parte”, denuncia com o sorriso aberto.
Uma coisa é certa. Não falta comida boa e cerveja gelada nos bares e restaurantes da Feira de São Joaquim. Aos domingos, desde 2017, acontece o Samba da Feira no píer. Com uma vista deslumbrante para o mar da baía, cerca de três mil pessoas se reúnem em um dos maiores redutos de samba da cidade. É ali também que se concentram os pescadores da região.
Se existe uma programação ideal para um domingo de feira, sem dúvidas ela termina em samba, mas não antes de passar por um dos pontos mais antigos do local e tomar uma dose da cachaça bola de fogo, feita com entrecascas do Jatobá pelo proprietário, Galego, e ouvir suas histórias da feira. “Aqui é tudo original, desde a mudança da Água de Meninos pra cá. Eu tenho até a caderneta que meu pai anotava a conta dos clientes que compravam fiado”, conta.
Quem vive na feira, da feira vive. É de lá seu ganha pão e também é lá que garante o ganha pão de seus companheiros de banca. “Eu não vou em supermercado, tudo é aqui. Até minha grife é da feira. O preço é mais acessível e você encontra o que precisa. Aí vai levando, dá dez hoje, cinco amanhã, vinte depois. Toma duas cervejas, vai abatendo”, finaliza.
Muito além de um espaço comercial, a Feira de São Joaquim é um vibrante microcosmo da vida baiana com um cenário que testemunha o tempo. Uma resistente celebração da diversidade, do encanto e da tradição da velha São Salvador.
Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar no 195, de 8 de julho de 2022.
Fotos: Arivaldo Publio @arivaldopublio
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